Carlos Alberto Parreira não se conteve quando o amigo Luiz Felipe Scolari comentou que recebeu “notas, cartas, e-mails e telegramas de muito apoio” no dia seguinte à maior humilhação do esporte brasileiro. Naquele dia 9 de julho de 2014, a comissão técnica da Seleção Brasileira estava reunida diante das câmeras de televisão para tentar explicar a vexatória derrota por 7 a 1 para a Alemanha, nas semifinais da Copa do Mundo disputada em casa. “Felipão, eu não ia comentar, mas, já que o assunto surgiu...”, interrompeu o coordenador da Seleção Brasileira.
Parreira, então, desdobrou um papel que estava sobre a mesa e iniciou a leitura de pouco mais de 200 palavras de um e-mail endereçado à comissão técnica chefiada por Felipão. “É da Dona Lúcia, uma torcedora simples que não conhecemos”, ele nomeou, dando motivo para uma série de deboches em torno da veracidade da personagem que os incentivava. Na época, perfis falsos da fã incondicional da Seleção Brasileira foram criados em redes sociais e fizeram relativo sucesso.
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Muito antes de o Brasil sucumbir no Mineirão, no entanto, uma Dona Lúcia já gozava da fama em Belo Horizonte. Ela também “não conhece muito de futebol”, conforme Parreira descreveu a remetente da comissão técnica da Seleção, e ajudou igualmente a histórica goleada alemã a ser mais bem digerida – por meio de seus restaurantes de comida típica mineira.

Plácido Domingo visitou a unidade do "Dona Lucinha" comandada por Márcia quando ainda confiava no Brasil - Credito: Acervo Pessoal
Um dia antes de o Brasil ser engolido pela Alemanha em Belo Horizonte, a unidade matriz do “Dona Lucinha” ficou lotada – o movimento mais do que dobrou durante o Mundial. A mulher que dá nome ao estabelecimento não estava presente, cuidando de sua saúde, porém a filha e sócia-proprietária Márcia Nunes corria de um lado a outro para dar a atenção a todos os clientes. “Foi um desafio pelo tamanho da demanda, completamente fora do comum. Nos dias de jogo, então... Recebemos vários colombianos, muita gente de fora. Havia até uma dificuldade por causa do inglês”, ela recordou.
O sujeito de quase 1,90m que se aproximou do balcão do restaurante naquele dia, contudo, não era colombiano nem se apresentou em inglês. Com óculos grandes, em destaque entre os cabelos e a barba brancos, e vestindo um terno cinza sem gravata, aquele espanhol criado no México queria elogiar a comida que degustou. Márcia estava tão ocupada que não teve tempo de fitar melhor o seu cliente ao agradecer. Muito menos de perceber se ele havia experimentado o feijão tropeiro, o frango com quiabo e angu e a vaca atolada – ou pedido um pão de queijo de entrada e um doce de leite de sobremesa.

Torcedor fanático do Real Madrid, o tenor se apresenta em Copas do Mundo desde 1982 - Credito: Divulgação
Apaixonado por futebol, o tenor Plácido Domingo foi a Belo Horizonte também para, assim como a Dona Lúcia de Parreira, incentivar o time de Felipão contra a Alemanha. O músico septuagenário já havia acompanhado de perto a conquista da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1970, no México. Em 1982, quando a sua Espanha sediou o torneio vencido pela Itália, ele deu voz à canção-tema “El Mundial”. Mais tarde, em 1990, apresentou-se com Luciano Pavarotti e José Carreras nas Termas de Caracala, naquele que foi o primeiro espetáculo dos Três Tenores. O trio voltaria a entrar em ação nas competições de 1994, 1998 e 2002. Em 2006, na Alemanha, o espanhol cantou com Anna Netrebko e Rolando Villazón.
No Brasil, após folgar na Copa do Mundo de 2010 (a primeira vencida pela sua Espanha), Plácido Domingo só se decepcionou esportivamente. O time espanhol caiu de maneira surpreendente já na primeira fase – com direito a uma goleada por 5 a 1 aplicada pela Holanda. Os holandeses também foram os algozes do México, país adotivo do tenor, nas oitavas de final. “Estou triste. Mas o que posso fazer">Havia uma Dona Lucinha que já era famosa em Belo Horizonte: a cozinheira, mãe de Márcia - Credito: Acervo Pessoal